A ESPERANÇA DITOSA
D. Ditosa é minha tia avó por parte de mãe. Poucas vezes convivi com ela, mas sempre tive forte impressão e um desejo de tê-la conhecido mais, ter convivido perto. Infelizmente, moramos em cidades diferentes. De sete irmãs e um irmão, ela foi a única que não se casou. Por quê? Sobre isto reinava um silêncio velado.
Tia Ditosa já tem mais de 60 anos, é uma mulher pequena e de aparência saudável. Se guarda tristezas, não aparentava. Ao contrário: parece nutrir alegria e esperança pela vida. Mulher de beleza distinta e delicada, tem a pele amendoada, um rosto redondo, olhos castanhos e cabelos encaracolados. As poucas vezes que a vi conversando, pude admirá-la. Parecia-me bem tranqüila, usava as palavras com segurança, dizia pouco, mas com convicção.
A minha curiosidade por sua vida sempre foi enorme. Eu não entendia, na minha cabeça de adolescente, por que Tia Ditosa, uma mulher tão interessante, não possuía um companheiro, por que não tinha filhos naturais. Seu único filho, se assim pode-se dizer, era um rapaz que ela adotara quando ele ainda era pequeno. Eu olhava pra tia Ditosa e ficava me perguntando: Se meu bisavô Antônio da Luz escolhera os sete maridos para as suas outras filhas, por que não escolhera para tia Ditosa?
Como tudo passa inevitavelmente nesta vida, passou também a minha imensa curiosidade por ela e cheguei a esquecê-la por um certo tempo. Afinal, Nós sempre vivemos aqui na capital, enquanto que ela mora numa pequena cidade do interior, chamada Valença, num belo sítio, distante de nós. Como era discreta e reservada, poucas notícias se tinha dela. Mas um belo dia, ouvi de vovó:
- A Ditosa casou com o José, da finada Jacinta!
Minha mãe, minhas tias, vovó falavam ao mesmo tempo e todas eram só felicidades. Eu mesma fiquei com o coração saltando, numa euforia, numa emoção inexplicável. É certo que ao mesmo tempo me veio aquela curiosidade e não resisti:
- Mas ,vovó, por que só agora ela se casou?
Minha avó ainda emocionada, me contou a história de Tia Ditosa e Seu José. Uma história digna de ser escrita.
Tia Ditosa viveu pouco na casa do pai Antônio da Luz e mãe Rosa. Ainda pequena, foi morar com uma tia, de parentesco distante, que tinha pela menina grande afeição. Essa senhora tinha apenas um filho pequeno, chamado José. E quando Ditosa foi morar com eles, o amor da tia logo se transformou em amor de mãe e assim quis transmitir aos pequenos o sentimento natural de amor entre irmãos.
Mas como o inesperado acontece, esse que muitos chamam de destino havia reservado algo mais para Ditosa e José. Com a convivência, o coração de ambos despertou: O amor entre homem e mulher surgiu cedo nos corações daqueles pequenos jovens.
À medida que foram crescendo, cresciam a amizade e as afinidades, e a paixão foi se confirmando. Mas naquela época, certos valores não podiam ser questionados. Tudo era rigidamente imposto pelos pais. A mãe de Francisco não aceitava contrariedades, considerava-os simplesmente irmãos e não admitiria em nenhuma hipótese aquela união. Quando percebeu a paixão definitiva dos dois, tratou de cortar o mal pela raiz.
- O amor de vocês é pecado.
Mandou José para longe de Ditosa, estudar na capital. E tão logo pôde, obrigou-o a se casar com outra moça, Jacinta.
No entanto, com tia Ditosa não houve jeito. Teimosa e determinada, ela jurou jamais amar outro homem e nem cedeu a pressão de se casar sem amor. Resignou-se.
Mas permaneceu ao lado de sua tia mãe toda uma vida. Apesar da tristeza do gesto autoritário da mãe, sabia separar as coisas, pois era amada por ela com sinceridade.
O tempo se passou. E Ditosa e José se viam raramente. Quando a velha morreu, acharam que os dois ficariam juntos, mas nada disso se deu. Eles, já com mais idade, possuíam responsabilidades, preconceitos e valores herdados de um tempo difícil para aquele tipo de amor.
Contudo, um amor impossível se nutre de esperança. E sobrevive. O amor desses dois resistiu mais de meio século. E venceu também à distância, à família, à sociedade. Com 72 anos de idade, Seu José enviuvou. Quanto a este triste episódio nada posso contar-lhes, pois realmente nada soube.
O que fiquei sabendo por minha avó naquele dia festivo para nós, foi que depois de tantos anos de amor reprimido, Seu José foi atrás de minha tia e deve ter dito a ela que jamais a havia esquecido; que a vida toda tentara agir corretamente com sua esposa, seus filhos e com a memória de sua mãe; no entanto, nada mais o impedia e não podia mais negar a ele e a ela o direito a verdadeira felicidade.
Ao que entendi do que minha avó me contou, Tia Ditosa não hesitou um só minuto. Casaram-se tão rapidamente que surpreenderam a todos. Minha mãe me contou muito tempo depois, que na hora do casório, o juiz perguntou a seu José por que ele estava tão eufórico, e ele respondeu assim:
_ É que são cinqüenta anos de amor reprimido...
Faz cinco que eles estão juntos. Minha avó me disse que eles vivem numa fazenda, lá em Valença e sozinhos, mas que adoram receber parentes e amigos. Felizes? Sim. Nunca mais revi minha tia. Também, ainda não conheço Tio José. Porém me sinto feliz por eles, pelo reencontro dos dois. E dessa história de amor consigo extrair um pouco de esperança a minha vida.
D. Ditosa é minha tia avó por parte de mãe. Poucas vezes convivi com ela, mas sempre tive forte impressão e um desejo de tê-la conhecido mais, ter convivido perto. Infelizmente, moramos em cidades diferentes. De sete irmãs e um irmão, ela foi a única que não se casou. Por quê? Sobre isto reinava um silêncio velado.
Tia Ditosa já tem mais de 60 anos, é uma mulher pequena e de aparência saudável. Se guarda tristezas, não aparentava. Ao contrário: parece nutrir alegria e esperança pela vida. Mulher de beleza distinta e delicada, tem a pele amendoada, um rosto redondo, olhos castanhos e cabelos encaracolados. As poucas vezes que a vi conversando, pude admirá-la. Parecia-me bem tranqüila, usava as palavras com segurança, dizia pouco, mas com convicção.
A minha curiosidade por sua vida sempre foi enorme. Eu não entendia, na minha cabeça de adolescente, por que Tia Ditosa, uma mulher tão interessante, não possuía um companheiro, por que não tinha filhos naturais. Seu único filho, se assim pode-se dizer, era um rapaz que ela adotara quando ele ainda era pequeno. Eu olhava pra tia Ditosa e ficava me perguntando: Se meu bisavô Antônio da Luz escolhera os sete maridos para as suas outras filhas, por que não escolhera para tia Ditosa?
Como tudo passa inevitavelmente nesta vida, passou também a minha imensa curiosidade por ela e cheguei a esquecê-la por um certo tempo. Afinal, Nós sempre vivemos aqui na capital, enquanto que ela mora numa pequena cidade do interior, chamada Valença, num belo sítio, distante de nós. Como era discreta e reservada, poucas notícias se tinha dela. Mas um belo dia, ouvi de vovó:
- A Ditosa casou com o José, da finada Jacinta!
Minha mãe, minhas tias, vovó falavam ao mesmo tempo e todas eram só felicidades. Eu mesma fiquei com o coração saltando, numa euforia, numa emoção inexplicável. É certo que ao mesmo tempo me veio aquela curiosidade e não resisti:
- Mas ,vovó, por que só agora ela se casou?
Minha avó ainda emocionada, me contou a história de Tia Ditosa e Seu José. Uma história digna de ser escrita.
Tia Ditosa viveu pouco na casa do pai Antônio da Luz e mãe Rosa. Ainda pequena, foi morar com uma tia, de parentesco distante, que tinha pela menina grande afeição. Essa senhora tinha apenas um filho pequeno, chamado José. E quando Ditosa foi morar com eles, o amor da tia logo se transformou em amor de mãe e assim quis transmitir aos pequenos o sentimento natural de amor entre irmãos.
Mas como o inesperado acontece, esse que muitos chamam de destino havia reservado algo mais para Ditosa e José. Com a convivência, o coração de ambos despertou: O amor entre homem e mulher surgiu cedo nos corações daqueles pequenos jovens.
À medida que foram crescendo, cresciam a amizade e as afinidades, e a paixão foi se confirmando. Mas naquela época, certos valores não podiam ser questionados. Tudo era rigidamente imposto pelos pais. A mãe de Francisco não aceitava contrariedades, considerava-os simplesmente irmãos e não admitiria em nenhuma hipótese aquela união. Quando percebeu a paixão definitiva dos dois, tratou de cortar o mal pela raiz.
- O amor de vocês é pecado.
Mandou José para longe de Ditosa, estudar na capital. E tão logo pôde, obrigou-o a se casar com outra moça, Jacinta.
No entanto, com tia Ditosa não houve jeito. Teimosa e determinada, ela jurou jamais amar outro homem e nem cedeu a pressão de se casar sem amor. Resignou-se.
Mas permaneceu ao lado de sua tia mãe toda uma vida. Apesar da tristeza do gesto autoritário da mãe, sabia separar as coisas, pois era amada por ela com sinceridade.
O tempo se passou. E Ditosa e José se viam raramente. Quando a velha morreu, acharam que os dois ficariam juntos, mas nada disso se deu. Eles, já com mais idade, possuíam responsabilidades, preconceitos e valores herdados de um tempo difícil para aquele tipo de amor.
Contudo, um amor impossível se nutre de esperança. E sobrevive. O amor desses dois resistiu mais de meio século. E venceu também à distância, à família, à sociedade. Com 72 anos de idade, Seu José enviuvou. Quanto a este triste episódio nada posso contar-lhes, pois realmente nada soube.
O que fiquei sabendo por minha avó naquele dia festivo para nós, foi que depois de tantos anos de amor reprimido, Seu José foi atrás de minha tia e deve ter dito a ela que jamais a havia esquecido; que a vida toda tentara agir corretamente com sua esposa, seus filhos e com a memória de sua mãe; no entanto, nada mais o impedia e não podia mais negar a ele e a ela o direito a verdadeira felicidade.
Ao que entendi do que minha avó me contou, Tia Ditosa não hesitou um só minuto. Casaram-se tão rapidamente que surpreenderam a todos. Minha mãe me contou muito tempo depois, que na hora do casório, o juiz perguntou a seu José por que ele estava tão eufórico, e ele respondeu assim:
_ É que são cinqüenta anos de amor reprimido...
Faz cinco que eles estão juntos. Minha avó me disse que eles vivem numa fazenda, lá em Valença e sozinhos, mas que adoram receber parentes e amigos. Felizes? Sim. Nunca mais revi minha tia. Também, ainda não conheço Tio José. Porém me sinto feliz por eles, pelo reencontro dos dois. E dessa história de amor consigo extrair um pouco de esperança a minha vida.