A Dívida
Como o ódio e aversão por alguém podem existir sem mais nem menos? Pois o ódio, aversão e asco se instalaram em mim naquele instante e não foi possível nunca entender. Ele, de repente, me olhou e eu olhei pra ele, aliás, foi apenas fração de segundos que nos olhamos francamente, raivosamente e sem medo. Ele fechou o cenho e levantou a cabeça em tom provocativo. Eu respondi quase que ao mesmo tempo, com rapidez e ódio daquele verme, escroto e covarde. Mas fiz algo que ele não esperava, pois naquela fração de segundos, não seria tão sagaz, o verme, sabe o que fiz? Acrescentei na ofensa uma tremenda banana, isso mesmo uma tremenda banana! Ah, que ódio, eu sei, ele sentiu de mim, pois não teve tempo de pensar nisso ao destilar a sua raiva eterna sobre quem ele detestava. Se a proximidade fosse maior, se não houvesse os obstáculos ali, ele teria me estrangulado por causa daquela tremenda banana. No entanto, penso que eu é quem o estrangularia se tivesse tido oportunidade, seria eu quem sufocaria, apertando nervosamente aquele pescoço fedorento como ele todo o era e colocaria forças em minhas mãos, muita força mesmo. Meu ódio seria misturado a um estranho prazer, quando visse que seus olhos se esbugalhavam e as veias cheias daquele sangue impuro e azedo começassem a querer espocar. Aquele rosto imbecil, amarelado já não seria o mesmo, pois o vermelho sangue daquele rosto desgraçado se transformaria em roxo asfixiante a cada esforço meu. Sim, não tenho dúvida de que mataria aquele imundo desprezível, cão sem dono, vira-lata, mais vil e nojento que uma barata de lixo...
...Mas eu te falei: se tivesse oportunidade e eu não tive felizmente. Talvez você esteja pensando que eu sou uma pessoa descontrolada ou pior, alguém violento, cruel, e assassino. Você pensa que sou alguém cuja ira se instala indomável mediante menor contrariedade? Acredite em mim, não sou nada disso e falo com verdade no coração, assim como usei de franqueza quando relatei este terrível incidente daquele dia. Às vezes, temos reações inexplicáveis, onde a natureza instintiva se sobrepõe à lógica da razão, ao equilíbrio humano, ao controle das emoções. Mas, de fato, o descontrole, tem que ser mantido sob controle a fim de que velhacos covardes sejam preservados! Desculpe, eu novamente, estou me deixando envolver por aquele terrível acontecimento. Acontecimento sem muita explicação e que agora vou te esclarecer, detalhando os fatos.
Naquele dia de fevereiro, era um sábado à tarde, nem fazia muito calor na cidade, nem quente nem frio. Eu resolvi ir até a farmácia, na esquina da avenida Miguel Rosa com a avenida Valter Alencar, mas eu não estava doente, não, ia apenas pagar uma fatura de cartão, coisa de rotina mesmo. Então, foi naquele cruzamento, que um ônibus, desses de viagem interestadual, estava aguardando no sinal vermelho. Como o trânsito estava liberado para mim, eu atravessei a primeira avenida. Foi quando eu vi aquela pessoa dentro do ônibus, estava sentado exatamente na parte do meio do ônibus, com a cabeça pra fora da janela, como te disse, ele também me viu no mesmo instante, e então o inesperado aconteceu, assim mesmo como te relatei. Um ódio tremendo, vindo não sei de qual lembrança, se desentranhou de mim e daquele estranho, foi mesmo uma reação impulsiva e sem nenhum nexo! Na hora, não pude xingá-lo, nem ele a mim, até porque o ônibus arrancou tão rapidamente ao mesmo tempo da nossa reação. Eu, fiquei por um instante, ali no meio fio, ofegante e com os batimentos cardíacos acelerados, sentindo muita raiva de um sujeito, que nunca tinha visto em minha vida! Isso eu tenho certeza.
Foi uma situação incomum, reconheço, mas quando penso que a explicação poderia estar em algum lugar do passado, em outra vida que eu nem posso sequer me lembrar, sinto uma frustração terrível, uma sensação ruim de muito mal-estar. Não sei se você me entende, na verdade, até eu me incomodo de pensar assim, pois não tenho ligação ou crença nenhuma com o espiritismo. Mas, senti e ainda sinto ocultamente, que eu e aquele sujeito tínhamos algo a resolver e que, infelizmente, nosso acerto de contas não pôde acontecer. Aquele encontro foi uma única chance do destino ou teria sido só um lapso da vida? Por que encontrá-lo daquele jeito, ele lá no ônibus impedido, indo embora, eu no meio da avenida com o braço em riste, descomposta? Agora parece uma gozação enigmática contra eu e aquele estranho. Sem explicação.
Pensando bem sobre tudo isso, me sinto ridícula, revelando essas coisas pra você, fico até parecendo um homem e não uma mulher, porém, eu, quando me lembro dessa história, sei no meu íntimo, que o meu ódio por aquela pessoa era real, me sinto também insensivelmente estranha, pois não sinto arrependimento ou culpa. Mas há outra coisa, não é ódio de uma mulher por um homem, percebo se tratar de um ódio que nunca senti nessa minha vida de mulher, era coisa de homem mesmo. De homem pra homem. Dívida.
Em: 14/12/07
Como o ódio e aversão por alguém podem existir sem mais nem menos? Pois o ódio, aversão e asco se instalaram em mim naquele instante e não foi possível nunca entender. Ele, de repente, me olhou e eu olhei pra ele, aliás, foi apenas fração de segundos que nos olhamos francamente, raivosamente e sem medo. Ele fechou o cenho e levantou a cabeça em tom provocativo. Eu respondi quase que ao mesmo tempo, com rapidez e ódio daquele verme, escroto e covarde. Mas fiz algo que ele não esperava, pois naquela fração de segundos, não seria tão sagaz, o verme, sabe o que fiz? Acrescentei na ofensa uma tremenda banana, isso mesmo uma tremenda banana! Ah, que ódio, eu sei, ele sentiu de mim, pois não teve tempo de pensar nisso ao destilar a sua raiva eterna sobre quem ele detestava. Se a proximidade fosse maior, se não houvesse os obstáculos ali, ele teria me estrangulado por causa daquela tremenda banana. No entanto, penso que eu é quem o estrangularia se tivesse tido oportunidade, seria eu quem sufocaria, apertando nervosamente aquele pescoço fedorento como ele todo o era e colocaria forças em minhas mãos, muita força mesmo. Meu ódio seria misturado a um estranho prazer, quando visse que seus olhos se esbugalhavam e as veias cheias daquele sangue impuro e azedo começassem a querer espocar. Aquele rosto imbecil, amarelado já não seria o mesmo, pois o vermelho sangue daquele rosto desgraçado se transformaria em roxo asfixiante a cada esforço meu. Sim, não tenho dúvida de que mataria aquele imundo desprezível, cão sem dono, vira-lata, mais vil e nojento que uma barata de lixo...
...Mas eu te falei: se tivesse oportunidade e eu não tive felizmente. Talvez você esteja pensando que eu sou uma pessoa descontrolada ou pior, alguém violento, cruel, e assassino. Você pensa que sou alguém cuja ira se instala indomável mediante menor contrariedade? Acredite em mim, não sou nada disso e falo com verdade no coração, assim como usei de franqueza quando relatei este terrível incidente daquele dia. Às vezes, temos reações inexplicáveis, onde a natureza instintiva se sobrepõe à lógica da razão, ao equilíbrio humano, ao controle das emoções. Mas, de fato, o descontrole, tem que ser mantido sob controle a fim de que velhacos covardes sejam preservados! Desculpe, eu novamente, estou me deixando envolver por aquele terrível acontecimento. Acontecimento sem muita explicação e que agora vou te esclarecer, detalhando os fatos.
Naquele dia de fevereiro, era um sábado à tarde, nem fazia muito calor na cidade, nem quente nem frio. Eu resolvi ir até a farmácia, na esquina da avenida Miguel Rosa com a avenida Valter Alencar, mas eu não estava doente, não, ia apenas pagar uma fatura de cartão, coisa de rotina mesmo. Então, foi naquele cruzamento, que um ônibus, desses de viagem interestadual, estava aguardando no sinal vermelho. Como o trânsito estava liberado para mim, eu atravessei a primeira avenida. Foi quando eu vi aquela pessoa dentro do ônibus, estava sentado exatamente na parte do meio do ônibus, com a cabeça pra fora da janela, como te disse, ele também me viu no mesmo instante, e então o inesperado aconteceu, assim mesmo como te relatei. Um ódio tremendo, vindo não sei de qual lembrança, se desentranhou de mim e daquele estranho, foi mesmo uma reação impulsiva e sem nenhum nexo! Na hora, não pude xingá-lo, nem ele a mim, até porque o ônibus arrancou tão rapidamente ao mesmo tempo da nossa reação. Eu, fiquei por um instante, ali no meio fio, ofegante e com os batimentos cardíacos acelerados, sentindo muita raiva de um sujeito, que nunca tinha visto em minha vida! Isso eu tenho certeza.
Foi uma situação incomum, reconheço, mas quando penso que a explicação poderia estar em algum lugar do passado, em outra vida que eu nem posso sequer me lembrar, sinto uma frustração terrível, uma sensação ruim de muito mal-estar. Não sei se você me entende, na verdade, até eu me incomodo de pensar assim, pois não tenho ligação ou crença nenhuma com o espiritismo. Mas, senti e ainda sinto ocultamente, que eu e aquele sujeito tínhamos algo a resolver e que, infelizmente, nosso acerto de contas não pôde acontecer. Aquele encontro foi uma única chance do destino ou teria sido só um lapso da vida? Por que encontrá-lo daquele jeito, ele lá no ônibus impedido, indo embora, eu no meio da avenida com o braço em riste, descomposta? Agora parece uma gozação enigmática contra eu e aquele estranho. Sem explicação.
Pensando bem sobre tudo isso, me sinto ridícula, revelando essas coisas pra você, fico até parecendo um homem e não uma mulher, porém, eu, quando me lembro dessa história, sei no meu íntimo, que o meu ódio por aquela pessoa era real, me sinto também insensivelmente estranha, pois não sinto arrependimento ou culpa. Mas há outra coisa, não é ódio de uma mulher por um homem, percebo se tratar de um ódio que nunca senti nessa minha vida de mulher, era coisa de homem mesmo. De homem pra homem. Dívida.
Em: 14/12/07
3 comentários:
Cumpre-me agradecer a sua delicadeza em passar no// e ligar-se ao sulmoura.
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Quanto a "Dívidas" — e nem de propósito — que possa, esta, não ficar por resolver :-)
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A sério: Gostei desta escrita curta: aprecio mesmo muito os textos de prosa curtos.
Obrigada. Até...
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maria toscano
maria toscano,que bom que passeias também por aqui e te agradeço pelas palavras.Beth.
Beth, de todos os contos que li, este foi o que mais gostei. Patricia Highsmith coloca numa personagem sua a definição do que seja clássico: "Algo que contém alguma situação humana básica". Quem não amou ou odiou ... simplesmente(ou será "dívida")?
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